Arte e ciência são muito parecidas naquilo que se refere a gestação de resultados. Nada provém de uma origem absolutamente delimitada. Tudo é consequência de acertos, erros, inspiração, contestação, experimentação. O objeto final é a soma de uma história que lhe precede e, da mesma forma, entrará na linha evolutiva para ser o inspirador do que virá em seu rastro. Não há obra ou tendência que tenha nascido única, completa e original, de uma fonte exclusiva.
Isso serve para o Heavy Metal. Adoramos replicar a assertiva de que o Black Sabbath é o progenitor do estilo. De certa forma, eles realmente estabeleceram muitos dos padrões e regras que até hoje são reconhecíveis. Não há dúvidas sobre isso, mas existem vários nomes que necessitam ser mencionados em condição de proximidade, como co-progenitores: Who, Kinks, Hendrix… até os Beatles costumam ser mencionados, por causa da canção “Helter Skelter”. Entre diversas citações que podemos incluir aqui, uma que não podemos deixar de lado é o nome da banda americana Blue Cheer.
Originários da cidade de San Francisco, o Blue Cheer lançou o seu primeiro e histórico álbum, “Vincebus Eruptum”, no ano de 1968. Olhando em retrospecto, podemos fazer um exercício de interpretação sobre o significado do termo “extremo”. Em nossa cultura musical, seu uso é uma prática ainda recente, mas podemos transportar o seu significado para dias pretéritos, pois, muito do que nos soa palatável hoje, já foi extremo em sua época. É desse modo que podemos avaliar o impacto do Blue Cheer. Uma banda que, ao surgir, causou comoção pelas características superlativas que tinha: altíssima, barulhentíssima. Um trio que tirou o seu nome de uma espécie de LSD mais poderoso que os demais e mastigou a lisergia psicodélica de Grateful Dead e Jefferson Airplane misturando-os com Blues e com guitarras que extrapolavam feedbacks!
De cara, se aproveitaram de uma canção do ícone Eddie Cochran para transformá-la em algo próprio. O Who já tinha feito sua interpretação para “Summertime Blues”, mas a versão bluecheeriana foi alguns passos além. A introdução, “inspirada” em “Purple Haze” de Jimi Hendrix, abre caminho para essa cover e precede um quinteto de outras canções que parecem ter sido gravadas em jam sessions, com os músicos juntos no palco, trocando olhares enquanto sinalizam as viradas entre si.
O guitarrista Leigh Stephens disse, certa vez, que o que eles faziam era retorcer o Blues até que ele ficasse irreconhecível, mas o estilo do Delta é duro e não se permite ser manipulado tão facilmente. Por isso que “Rock Me Baby”, de B.B. King flui tão pura nessa linha. Já “Doctor Please” não nega seus elementos de Cream, na levada com bateria em ritmo de avalanche.
Apenas três faixas são de autoria própria e, dentre elas, “Out of Focus” é a mais bem acabada em suas partes de intro-desenvolvimento-conclusão, mas “Parchment Farm” traz o Proto-Heavy de volta para a linha de frente, com uma progressão rítmica, em sua parte intermediária, que seria seguida por 9 entre 10 bandas dos anos setenta. Essas intenções prosseguem na última música “Second Time Around”, complementando aquilo que, em sua forma original, era uma peça de vinil densa e cortante, que inspirou outros a desafiarem a sua potência sonora da mesma forma que eles desafiaram seus antecessores. Não se engane com o passado: Ele é agressivo, perigoso e violento tanto quanto nos parece ser o presente e, traz, em si, coisas bem mais ameaçadoras. Lembre-se que os dinossauros, os monstruosos répteis da antiguidade, foram extintos por elementos externos ao planeta, mas a sua voracidade ainda intimidaria a maioria das feras de nossos dias.
Formação
Dickie Peterson – vocal, baixo
Leigh Stephens – guitarra
Paul Whaley – bateria
Músicas
1.Summertime Blues
2.Rock Me Baby
3.Doctor Please
4.Out of Focus
5.Parchment Farm
6.Second Time Around